quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Retrato Ouvido.





Do tanto que ouço acabei por perder a vontade de falar,
Um gesto aqui, outro ali e quando muito um aceno de mão...
Do tanto que ouvi e do tanto que já deixei de contar
Fez-se meu olhar de neblina, dois faróis que miram o chão.

Do tanto que me pondero sempre trago minha mão junto à boca;
A plena concha, por onde se esvaem os verbos que não conjugarei,
Do tanto que perdi, hoje sei que essa é uma concha plenamente oca,
E esse silêncio é um escudo, evita que eu acabe por falar sobre o que não sei...

Do tanto que observo me expresso mais pelos olhos do que pela fala,
Meu grito é o estralo dos ossos, um cacoete extremamente relaxante...
Do tanto que escrevo, minhas mãos falam o que minha boca sempre cala
E silenciosamente encontro conforto na visão de um horizonte distante.

Do tanto que evito, permito-me sumariamente ao dom do escapismo,
E aos finais de minhas fugas, durante o banho tomo a posição de feto.
Para aqueles que olham de longe, eu sei, pode até parecer autismo...
Mas esse frio que suplica um aconchego faz de mim um verso único e reto.

 Do tanto que meço os sentimentos, fiz de minha alma uma espécie de escada
Por onde sobem aqueles que por merecimento recebem minhas poucas ressalvas...
Do tanto que sinto, assim tão à flor da pele, fiz de meu peito uma espécie de sacada
Por onde me vejo navegando solitariamente no mar efêmero de minhas poucas palavras. 


Antônio Piaia

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Quoi Ça Sert L'amour - Pra Que Serve o Amor



Música de Edith Piaf, sob uma animação que retrata os encontros e desencontros da vida... Uma visão humorística a cerca de sentimentos que todos conhecem muito bem.

A Maré



Vem de encontro às pedras, rebentar-se contra o cais de meu peito...
Sei que é por vaidade que me deixa a deriva, bem sei os teus poréns reais,
E quando retorna ao mar, displicentemente, ignora o mal que tem me feito,
Deixando pra trás nada mais que a amarga ferrugem dos sais e minerais...

A maré é tão assim... De fazer mal a quem só quer lhe dar prazer,
Amar é tão assim... De trazer o silêncio a quem não sabe o que dizer...

Me faz anzol Nossa Senhora! Pra que eu pesque ao invés de ser pescado;
E quando vier a maré que me deixe mais que a ressaca de um amor perdido,
Me faz barco Nossa Senhora! Pra que eu navegue longe desse mar de pecado;
E quando vier a maré minha santa, enxuga as lágrimas desse peito partido.

A maré é tão assim... De derramar o pranto no peito do pescador,
Amar é tão assim... De fazer até o mais descrente rezar com ardor...

Peço tanto a Iemanjá, patrocínio qualquer ou quem sabe intervenção divina,
Pois na maré, tudo parece tão só... E que dó me dá saber que aos poucos ela se esvai...
Que se afoga no sal à beira da praia, que se afoga em um sal que não se refina,
Imploro remendo na rede da minha alma, pois a maré, assim como vem, vai...

A maré é tão assim... Sobre ir e vir.

Antônio Piaia