Do tanto que ouço acabei por perder a vontade de falar,
Um gesto aqui, outro ali e quando muito um aceno de mão...
Do tanto que ouvi e do tanto que já deixei de contar
Fez-se meu olhar de neblina, dois faróis que miram o chão.
Do tanto que me pondero sempre trago minha mão junto à boca;
A plena concha, por onde se esvaem os verbos que não conjugarei,
Do tanto que perdi, hoje sei que essa é uma concha plenamente oca,
E esse silêncio é um escudo, evita que eu acabe por falar sobre o que não sei...
Do tanto que observo me expresso mais pelos olhos do que pela fala,
Meu grito é o estralo dos ossos, um cacoete extremamente relaxante...
Do tanto que escrevo, minhas mãos falam o que minha boca sempre cala
E silenciosamente encontro conforto na visão de um horizonte distante.
Do tanto que evito, permito-me sumariamente ao dom do escapismo,
E aos finais de minhas fugas, durante o banho tomo a posição de feto.
Para aqueles que olham de longe, eu sei, pode até parecer autismo...
Mas esse frio que suplica um aconchego faz de mim um verso único e reto.
Do tanto que meço os sentimentos, fiz de minha alma uma espécie de escada
Por onde sobem aqueles que por merecimento recebem minhas poucas ressalvas...
Do tanto que sinto, assim tão à flor da pele, fiz de meu peito uma espécie de sacada
Por onde me vejo navegando solitariamente no mar efêmero de minhas poucas palavras.
Antônio Piaia
Antônio Piaia